sexta-feira, 6 de agosto de 2010

Mapa revela exclusão do lazer na periferia de SP


FREDERICO VASCONCELOS

da Folha de S.Paulo

Mapeamento inédito da cidade de São Paulo, encomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) para avaliar a vulnerabilidade dos jovens às drogas, mostra que os serviços públicos de lazer e cultura, úteis para reduzir o ócio e inibir o vício, não beneficiam a população mais carente: os adolescentes da periferia.

Os centros esportivos e de treinamento, as bibliotecas, os parques e os teatros estão concentrados nas regiões de alta renda, bem distante dos jovens que vivem nas áreas extremas da cidade e que estão mais expostos ao crime.

O levantamento da OMS constata que o vício está disseminado em toda a cidade. Mas o maior consumo de drogas ocorre nas classes média e alta.
As motivações e as consequências do uso de droga, contudo, são diferentes.

Para os jovens das áreas mais ricas, segundo o estudo da OMS, o consumo pode representar uma experiência. Os jovens pobres da periferia têm outra expectativa de vida e correm maior risco de se tornar dependentes ou vinculados ao tráfico.

"Não existe uma política pública direcionada à prevenção. Quando surge alguma iniciativa, é porque o problema já é crônico", diz a arquiteta Sueli Ramos Schiffer, professora titular do Departamento de Tecnologia da Arquitetura da FAU (Faculdade de Arquitetura e Urbanismo) da USP.

É perverso o descolamento: as pessoas que necessitam desses serviços estão onde eles não são disponíveis, observa a psicóloga Nancy Cardia, coordenadora de pesquisas do Núcleo de Estudos da Violência da USP.

A pedido da OMS, Nancy e Sueli analisaram séries de dados socioeconômicos, cruzaram pesquisas sobre a violência e o uso de drogas, além de indicadores de qualidade de vida urbana, como moradia, saúde, educação e lazer.

Depois de gastar muito dinheiro difundindo campanhas no mundo inteiro para combater as drogas -sem obter resultados efetivos- a OMS encomendou pesquisas semelhantes em vários países. A organização quer entender o que acontece nas grandes cidades, onde os jovens têm sérios problemas com drogas.

A idéia central é verificar a relação entre as condições sociais e econômicas da população de São Paulo e o uso de drogas, o consumo de bebidas alcoólicas, o tráfico etc.; avaliar o impacto da urbanização no uso de drogas por adolescentes e tentar identificar como os fatores de risco e recuperação estão distribuídos na cidade.

"Em São Paulo, a exclusão não se dá apenas no sentido econômico-social", diz Nancy. Ela vê exclusão até no atendimento por ONGs (organizações não-governamentais) e entidades dedicadas à filantropia, cuja ação não alcançaria as áreas de maior risco.

Entre os locais menos atendidos, Sueli Schiffer cita Cidade Tiradentes, Guaianazes, Iguatemi e Itaim Paulista, todos na zona leste, e Jardim Ângela, na zona sul.

"É possível fazer alguma coisa preventiva, como a formação de núcleos para capacitar os jovens da periferia", diz Sueli. "Construir um centro esportivo ligado a um centro de treinamento não é algo tão dispendioso", diz.

Os campos de futebol são as opções de lazer que aparecem com distribuição mais ampla nos mapas fornecidos à OMS. Mas são precários e insuficientes para atender à demanda.

"A maior parte das crianças e jovens vive nas áreas extremas, mas a maioria dos equipamentos -principalmente os que combinam centros de treinamento e múltiplas opções de esportes, e mesmo piscinas públicas- está concentrada nas áreas centrais", afirma Nancy.

Os mapas indicam que os equipamentos esportivos não estão localizados onde a maioria dos usuários potenciais se encontram.

O rastreamento confirma que as associações de moradores estão presentes em todos os locais. Mas o estudo enviado à OMS afirma que isso não se traduz em garantia de menor desigualdade na distribuição de serviços públicos.
"A cidade cresceu pela ação da população. Os sinais da presença da prefeitura e do Estado na ocasião da abertura dessas novas áreas são pequenos. Não é preciso reafirmar que uma cidade assim não pode dar certo", diz a psicóloga da USP.

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